RECLAMAÇÃO nº 7746 – GO (2012/0010835-6)
RELATORA : MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI
RECLAMANTE : GLOBAL VILLAGE TELECOM LTDA GVT
ADVOGADO : TALITA CAR VIDOTTO E OUTRO(S)
RECLAMADO : SEGUNDA TURMA RECURSAL MISTA DA 3A REGIÃO JUDICIÁRIA DE ANÁPOLIS – GO
INTERES. : LUCIA AJI KOUMBOZ GADIA
DECISÃO
Trata-se de reclamação, com pedido de liminar, proposta por Global
Village Telecon Ltda GVT em face de acórdão proferido pela Segunda Turma
Recursal Mista da 3ª Região Judiciária de Anápolis/GO que entendeu pela validade da incidência “da multa periódica acumulada desde a decisão antecipatória até esta data”, afastando o entendimento de que o “trânsito em julgado funcionaria como termo inicial para a incidência das ‘astreintes”, mantendo, assim, o valor da multa periódica acumulada até a data do julgamento, tendo em vista o não cumprimento da obrigação.
Afirma o reclamante que o acórdão reclamado está em dissonância com a jurisprudência desta Corte, tendo em vista que o valor total da multa fixada
chega a R$ 537.000,00, o que afronta o princípio da razoabilidade e promove o enriquecimento sem causa da interessada.
Ressalta, ainda, ser possível a alteração do valor da multa diária antes
fixada, ante o disposto no § 6º do art. 461 do Código de Processo Civil e
precedentes Corte que admitem a alteração do valor da multa, caso o magistrado entenda ter ela se tornado insuficiente ou excessiva.
Afirma, ainda, que as astreintes podem, e devem, ser modificadas para
ajustar o valor da condenação a um patamar proporcional ao bem de vida
perseguido na demanda, evitando-se, assim, de acordo com a jurisprudência desta Corte, o enriquecimento sem causa. Assim delimitada a controvérsia, passo a decidir.
Cumpre, inicialmente, ressaltar que a Corte Especial, apreciando
questão de ordem levantada na Rcl 3.752/GO, em razão do decidido nos EDcl no RE 571.572/BA (STF, Rel. Ministra Ellen Gracie), admitiu a possibilidade do ajuizamento de reclamação perante o STJ, objetivando, assim, adequar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Estaduais à súmula ou jurisprudência dominante nesta Corte.
A mencionada espécie de reclamação foi disciplinada pela Resolução 12/2009. Ela não se confunde com uma terceira instância para julgamento da causa, e tem âmbito de abrangência necessariamente mais limitado do que o do
recurso especial, incabível nos processos oriundos dos Juizados Especiais. Trata-se de instrumento destinado, em caráter excepcionalíssimo, a evitar a consolidação de interpretação do direito substantivo federal ordinário divergente da jurisprudência pacificada pelo STJ.
A 2ª Seção, no julgamento das Reclamações 3.812/ES e 6.721/MT,
interpretando a citada resolução, decidiu que a jurisprudência do STJ a ser
considerada para efeito do cabimento da reclamação é apenas a relativa a direito material, consolidada em súmulas ou teses adotadas no julgamento de recursos repetitivos (CPC, art. 543-C). Não se admitirá, desse modo, a propositura de reclamações somente com base em precedentes tomados no julgamento de recursos especiais. Questões processuais resolvidas pelos Juizados não são passíveis de reclamação, dado que o processo, nos juizados especiais, orienta-se pelos princípios da Lei 9.099/95.
Fora desses critérios foi ressalvada somente a possibilidade de revisão
de decisões aberrantes, o que entendo estar caracterizado, em sede de cognição sumária, no presente caso, bem como presentes os requisitos necessários à concessão de liminar.
Com efeito, o fumus boni iuris está caracterizado no valor exorbitante
da multa que, fixada em R$ 500,00 por dia (e-STJ fl. 51), já alcança montante
muitas vezes superior à alçada do Juizado Especial, tendo a reclamante logrado
comprovar, quanto a este ponto, a existência de jurisprudência desta Corte que possibilita a redução da multa até mesmo de ofício, após o trânsito em julgado.
Conforme acórdão da 4ª Turma no RMS 33.155, de minha relatoria,
tratando-se de Juizado Especial, a interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 9.099/95 conduz à limitação da competência do Juizado Especial para cominar – e executar – multas coercitivas em valores consentâneos com a alçada respectiva (art. 52, inciso V). Se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do Juizado Especial, como de “baixa complexidade” a demora em seu cumprimento não deve resultar em valor devido a título de multa superior ao valor da alçada.
Reitero que, na linha de pacífica jurisprudência do STJ, o valor da
multa diária cominatória não faz coisa julgada material, podendo ser revisto, a
qualquer momento, se se revelar insuficiente ou excessivo, conforme dispõe o art. 461, § 6º, do CPC (cf., entre muitos outros, o acórdão da 4ª Turma já citado, no REsp 691.785/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, unânime, DJe de 20.10.2010). O valor executado a título de multa excedente à alçada deve ser, pois, suprimido, sem que tal constitua ofensa a coisa julgada.
Considero, portanto, que o valor da alçada previsto no art. 3º, inciso I,
da Lei 9.099/95, o qual tem em mira o valor da obrigação principal na data do
ajuizamento da ação (quarenta salários mínimos), deve ser aplicado, por analogia, como o valor máximo a ser executado contra o devedor, a título de multa cominatória.
O periculum in mora está claro na possibilidade de ser a reclamante compelida a pagar, a qualquer momento, multa que, em outubro de 2010, já ultrapassava trezentos mil reais (e-STJ fls. 123/124). Havendo, portanto, divergência jurisprudencial a ser dirimida, na inteligência do art. 1º da Resolução n. 12/2009-STJ, admito a presente reclamação, nos termos do art. 2º do referido ato normativo. Verificando, ainda, a presença dos requisitos da medida de urgência pleiteada, concedo, parcialmente, a liminar, para o fim de limitar a execução da multa ao valor equivalente a quarenta salários mínimos.
Oficie-se à Segunda Turma Recursal Mista da 3ª Região Judiciária da
Comarca de Anápolis/GO, comunicando da decisão liminar e solicitando
informações, nos termos do art. 2º, II, da citada Resolução.
Notifique-se a autora da ação principal, Lúcia Aji Koumboz Gadia, para
que se manifeste, querendo, no prazo de cinco dias. Após, publique-se, na forma do inciso III, do art. 2º, da mesma Resolução, para a ciência dos interessados e manifestação no prazo de 30 dias.
Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2012.
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora